Xícaras de café

Café – O Sonho

E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu Coração, e de toda a tua Alma, e de todas as tuas Forças, e de todo o teu Entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.
Lucas 10.27

Não sei exatamente como cheguei àquele lugar. Sabia que o caminho percorrido até ali não importava. Eu estava lá e isso bastava.

Os cheiros que inundavam o ambiente eram inebriantes. Não havia névoa, mas a sensação era de estar envolto em nuvens de vapor aconchegantes.

Parecia uma cafeteria comum. Tinha um imenso balcão com bancos fixos espalhados por toda a sua extensão. Um funcionário movimentava-se atrás dele com grande destreza, atendendo aos pedidos dos clientes ali postados. Como qualquer cafeteria, haviam diversas máquinas, objetos e ingredientes devidamente organizados no balcão. Cada um deles parecia demonstrar a expectativa no momento da sua utilização, o momento em que serviriam de alguma forma para produzir um café.

Não sei quanto tempo observei o lugar, se por um segundo, se por vários minutos. A impressão que tive é de que aquele era um lugar especial. 

Sentei-me em um dos bancos. Observei um cliente e o seu pedido sendo entregue. O café dentro do copo parecia forte, e exalava um cheiro poderoso, além do normal. Ao tomar um gole, a expressão da pessoa se transformou de uma forma impressionante. Parecia que a própria Esperança havia encarnado naquele corpo. Seu olhar tornou-se tão determinado que parecia não haver coisa alguma impossível para se desejar.

A surpresa tomou conta de mim. Olhei em volta e notei que outra pessoa recebia também um copo com um líquido que cheirava a café. No entanto, o cheiro era diferente, trazia uma sensação de nostalgia. A cor do líquido era mais dourada. Esperei com ansiedade qual seria a reação deste e surpreendi-me ainda mais quando notei tristezas comedidas tomar-lhe as expressões da face. Era como se a Saudade lhe envolvesse e consolasse ao mesmo tempo.      

Meu coração batia acelerado quando imaginei o que aconteceria comigo quando pusesse em minha boca um daqueles cafés arrebatadores. Notei que o funcionário não repetia os ingredientes para nenhum cliente. Desde a moedura dos grãos, a velocidade com que era colocado em contato com a água, a temperatura e o tempo em que se demoravam juntos, pó e água, era delicadamente calculado. Propositadamente especial. Como se, para cada indivíduo, a expressão do sabor estivesse pré-determinada.

Eu não lembro de ter feito nenhum pedido. Na verdade, nem imaginei como eu poderia fazê-lo. Desde que me encontrei naquele ambiente, eu não sabia direito o que fazer.

Em um momento o funcionário se aproximou de mim com um copo. Os meus olhos se arregalaram na intenção de enxergar melhor e as narinas se abriram para sorver aquele odor maravilhoso. Dentro do copo, havia um líquido fluido e leve, nada parecido com aquele que vi o primeiro cliente receber. O tom de marrom era suave, mas não era claro. Antes mesmo de beber, eu já sentia algo mudando dentro de mim.

Levei aos poucos o copo em direção à boca. Quando o líquido tocou minha língua, senti o sabor. Sim, o sabor. Era esplêndido. Como se todo o prazer que pudesse ser alcançado com as papilas gustativas estivesse depositado naquele pequeno copo. Senti a Alegria tomar conta de mim. A partir da minha boca, espalhando pela cabeça, entrando em meus pulmões, avançando sobre os meus membros, tomando todo o meu ser.

Apesar de pequeno o copo que me fora dado, sentia como se aquele gole fosse o suficiente para me saciar completamente. Na verdade, ele não parecia acabar. E isso não me incomodava. Não sei se o tomei por um segundo, se por vários minutos. O tempo não era importante.

Enquanto me deliciava com aquela sensação sem igual, abri os olhos. Notei que estava um pouco claro. Amanhecera. Eu deveria levantar e viver. A Alegria, no entanto, permaneceu me envolvendo durante todo aquele dia.


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